"Parecia uma cena pós-apocalíptica. Nunca tinha visto
nada parecido com aquilo." O desabafo é de uma adolescente de 17 anos,
aluna de uma escola estadual do Recife, sobre cenas vistas por estudantes e
funcionários da Escola de Referência em Ensino Médio Ageu Magalhães. Vinte e
seis alunos dos mais de 500 tiveram uma crise de ansiedade no início da tarde
de 8 de abril e precisaram de atendimento médico. Falta de ar, crise de choro,
sudorese e taquicardia foram os principais sintomas apresentados pelos
adolescentes.
Seis ambulâncias do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência) foram encaminhadas para a escola, no bairro de Casa Amarela. Os
jovens foram atendidos deitados no chão do pátio, sobre a grama e em cadeiras.
Nenhum deles precisou ser hospitalizado. A escola funciona em tempo integral e
os alunos permanecem na unidade das 7h30 às 17h.
"Estava
tudo normal pela manhã. Quando tocou o intervalo para o almoço, nós descemos.
Eu estava almoçando e vi as primeiras pessoas passando mal. Achei até que fosse
intoxicação alimentar", detalhou a aluna do terceiro ano.
As cenas relatadas pelos estudantes e registradas em vídeos
que circularam nas redes sociais revelam um cenário de pânico. "Liberaram
a gente depois da prova e quando eu saí já estava um caos no colégio. Havia
muitas pessoas desmaiadas e outras chorando. Na hora, fiquei sem reação", completou
a estudante, que não apresentou sintomas.
A Secretaria de Educação e Esportes afirmou que houve uma
crise de ansiedade coletiva. Uma aluna do 1º ano teria passado mal dentro da
sala de aula, antes de realizar uma prova. Ela perdeu os sentidos e foi levada
pelos colegas à secretaria da escola, quando perceberam que ela não estava
melhorando. Essa informação ganhou os corredores do colégio e outros
adolescentes começaram a entrar em desespero.
Os estudantes estavam em semana de provas, o que, segundo
adolescentes ouvidos por TAB, pode ter contribuído para o surgimento dos
sintomas. Por quase dois anos, as aulas não estavam acontecendo de maneira
presencial. Com a redução dos casos confirmados e mortes por covid-19, os
estudantes voltaram às salas de aula em 3 de fevereiro.
“Gostei de ter voltado, mas acho que às vezes botam pressão
demais e esquecem que, apesar de sermos estudantes, também temos
problemas", pontuou a adolescente.
Aos 16 anos e no 3º ano do ensino médio, uma aluna da Ageu
Magalhães conta que amigos dela estavam entre os atendidos pelo serviço médico.
Ela também ficou na escola para apoiar os colegas. "Fiquei desesperada com
aquela cena dentro da escola. Vi muitos desmaios, pessoas desesperadas e gente
tendo crise. Amigos meus passaram mal também, mas eu não. Eu não fui para casa
porque havia muita gente passando mal, e outras começaram a passar mal também.
Então, tive que ficar para ajudar. Foi horrível. Acredito mesmo que foi crise
de ansiedade, estavam acontecendo provas naquela semana", destacou a jovem.
Ao lado da Escola Ageu Magalhães funciona a Escola Técnica
Estadual Dom Bosco. Ambas são em horário integral. Na terça-feira (12), as
paradas de ônibus perto dos dois colégios estavam lotadas no final da tarde.
Aluno da Dom Bosco, um adolescente de 16 anos contou que um amigo de 15 anos
estava entre as vítimas. "Desde que as aulas voltaram, estamos com muitas
atividades para fazer. Antes a gente estava em casa e fazia tudo pela internet.
Agora ficou muito puxado", afirmou.
Desespero de uma mãe
Muitos alunos da Escola Ageu Magalhães moram perto do
colégio. Essa proximidade fez com que alguns pais chegassem ao local quando os
estudantes ainda eram atendidos pelo Samu. Foi o caso da mãe de uma adolescente
de 15 anos, aluna do 1º ano. Ela contou ao TAB os momentos de desespero vividos
naquela sexta-feira à tarde.
“Fiquei sabendo que minha filha estava passando mal porque
um coleguinha dela me telefonou dizendo. Corri pra lá e encontrei minha filha
deitada na grama, sem respirar direito", ressaltou a mãe da adolescente.
A estudante havia falado com a mãe por volta das 12h,
enquanto almoçava. Até então, segundo a mãe, estava tudo tranquilo. À tarde,
chegou a notícia. "Recebi a ligação por volta das 16h e quando cheguei na
escola já havia seis ambulâncias do Samu e parte da avenida onde fica o colégio
estava interditada", contou.
Um dos profissionais do Samu conversou com a mãe da
estudante sobre o atendimento. "O paramédico disse que minha filha tinha
apresentado saturação baixa e sudorese, mas ela não chegou a ir para o oxigênio
como outros adolescentes. Passei cerca de 20 minutos com ela na escola e depois
fomos para casa. Ela foi melhorando.".
A adolescente ainda tem crises de choro em casa e está com
dificuldades para dormir. A mãe, assim como outros estudantes, reclama da carga
horária da unidade de ensino. "Os alunos que estão no 1º ano têm nove
horas de aulas todos os dias. É um ritmo muito puxado para eles, que antes
tinham, no máximo, cinco horas de aulas por dia. A pandemia ainda não acabou e
tudo isso ainda mexe muito com a cabeça dos estudantes, sobretudo dos mais
novos", ressaltou a mãe da jovem.
A Secretaria de Saúde de Recife informou que enviou 16
profissionais em seis ambulâncias e duas motolâncias do Samu Metropolitano para
fazer o atendimento a 26 estudantes de uma escola estadual e que identificou
sintomas sem gravidade.
Apoio aos alunos
Direção, professores e demais funcionários da Escola Ageu
Magalhães receberam os estudantes com conversas e acolhimento no retorno às
aulas após o episódio de ansiedade coletiva. Os alunos só tiveram aulas até a
quarta-feira (13), devido ao feriado da Páscoa.
Para a gerente da Regional Norte da Secretaria de Educação,
Neusa Pontes, o longo período em que os jovens ficaram afastados da escola pode
ter prejudicado nesse retorno presencial.
"Desde o retorno, mesmo no formato híbrido, nós temos
trabalhado com os alunos essas questões. Na última semana ocorreu essa situação
que na verdade se iniciou de uma crise de ansiedade, de angústia de um
estudante. Então, foi como um efeito dominó, um passando mal após ver o outro
mal também", declarou Neusa.
A gerente disse ainda que os alunos estavam na semana de
avaliações, a primeira desde a volta às aulas presenciais. "Isso já gera
uma certa angústia, uma certa ansiedade e mais ainda depois do período de
isolamento", completou a gestora.
O acionamento do Samu foi realizado assim que vários alunos
começaram a relatar falta de ar, tremor no corpo e ter crise de choro. Alguns
alunos estavam tão nervosos que não conseguiram nem mesmo telefonar para os
pais. "A gestão da escola viu que era algo de questão de saúde e não uma
situação escolar possível de ser resolvida. O sistema de saúde foi acionado e
as viaturas chegaram de imediato", destacou Neusa.
"Estamos agora todos juntos trabalhando nessa rede de
apoio e proteção para encontrar estratégias que possam evitar que situações
como essas voltem a acontecer", finalizou Neusa Pontes. Uma reunião entre
pais e a direção da escola está prevista para a próxima semana.
Uma aluna do terceiro ano sugere que a escola passe a
realizar palestras regularmente com os estudantes para falar sobre ansiedade.
"Se os responsáveis parassem de focar nas cobranças pelos resultados do
nosso estudo e trouxessem palestras sobre saúde mental, ajudaria bastante.
Atualmente, essas conversas só acontecem no mês de setembro, que é o mês de
combate ao suicídio", cobrou a adolescente.
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